Filosofia da linguagem
A palavra PRESENTE tem basicamente dois sentidos: “oferta, prenda” e “está junto de nós”.
Quando alguém nos oferece um presente, de certa maneira e, em maior ou menor medida, está junto de nós no seu pensamento e nos seus sentimentos. Quando nós estamos juntos de alguém a fazer-lhe companhia ou a dar-lhe os nossos desvelos, estamos presentes e a conceder os nossos presentes: estamos presentes por estarmos ali bem perto e damos presentes, em ofertas de amabilidades, serviços, atenções e delicadezas.
Há alguém que está sempre presente e a dar-nos sempre presentes. Esse alguém, é Alguém a quem chamamos Deus. Está sempre junto de nós, está sempre presente; cada dia que amanhece é um presente de Deus, é a oferta de mais um acordar; e continua sempre a dar-nos múltiplos presentes, que muitas vezes não valorizamos nem damos por eles.
“O que nós somos é o grande presente de Deus para nós; o que nos
tornarmos, é o nosso presente a Deus” – Eleanor Powel
Para um cristão, importa que nosso presente a Deus seja o mais possível compatível com os que Deus nos dá.
Costuma-se perguntar por graça, como que a propor um enigma: “porque é que tudo junto se escreve separado e separado se escreve tudo junto? É mera coincidência? Filosoficamente e religiosamente não há coincidências, pelo que o enigma deve merecer alguma atenção.
Os filósofos alemães defendem que um ser, uma entidade, deve ser designada por uma só palavra, o que dá origem em alemão a palavras muito extensas. Companhia de navegação, por exemplo, que em português é uma designação dividida em três partes, em alemão é designação de palavra única. Por essa filosofia, e da mesma maneira, qualquer numeral, pequeno ou grande, por exemplo, 345.678, é uma única palavra.
Depois deste parêntese, a querer mostrar quanto a filosofia pode estar inserida na linguagem, para além da poesia, convém meditarmos um pouco neste duplo sentido da palavra PRESENTE. A mesma filosofia de linguagem também se verifica na palavra PACIENTE. Também ela tem basicamente dois sentidos, que devem merecer a nossa meditação. Paciente é o que tem paciência; ou então está doente, está em sofrimento.
Na verdade, ser paciente, ter paciência, exige por vezes algum sofrimento em autodomínio, em compreensão, em tolerância e caridade. Por outro lado, quem está em sofrimento deve aceitar sem revolta o sofrimento, para ser paciente nos dois sentidos: paciente porque sofre, paciente por sofrer com paciência. Aliás a impaciência perante o sofrimento só serve para o aumentar.
Consideremos agora o verbo ESPERAR. Temos nele dois sentidos principais: esperar, aguardar, estar à espera; e esperar, ter esperança. Em francês e em inglês, por exemplo, existem palavras diferentes: aguardar, attendre e to await; ter esperança, espérer e to hope. Em português, a palavra é sempre a mesma, o que é uma riqueza e subtileza de linguagem que numa perspectiva filosófica nos deve levar a meditar.
Quem espera por um comboio está na esperança de que ele chegue, e quem tem esperança na bondade e nas promessas de Deus está à espera que elas se manifestem.
Assim, cada uma destas palavras presente, paciente e esperar, e possivelmente outras, têm dois sentidos tão intimamente ligados e interdependentes que não devemos ignorar, a bem dos nossos sentimentos e dos nossos conhecimentos da Língua Portuguesa.