AUTORES

Outubro 08 2012

 

Fátima 13 de Outubro de 1947

 

 

 

PENSAMENTOS

 

 78 - Há muito quem me acuse de não saber pregar um prego. Devem ter razão. Se alguma vez preguei um prego, já não me lembro quando. Sei ler documentos e lidar com números. Mas àqueles que me acusam, eu posso dizer que eu conheço muita gente que sabendo pregar pregos, não sabem pegar numa régua e desenhar uma linha. E, para além disso, que bom que teria sido, no tempo de Jesus, não ter sido possível encontrar quem soubesse pregar pregos!           

 

79 - Conheço uma certa pessoa que era professora do ensino secundário e depois de muitos anos nessa profissão, enveredou pela política. A Política é uma arte essencialmente nobre, mas que neste mundo moderno, creio que em toda a parte, está muitíssimo desprestigiada, pela incompetência e falta de dignidade de quase todos os que a ela se dedicam. É uma má fama bem conhecida e verdadeiramente merecida, que poucos ou nenhuns procuram combater ou remediar e quase todos não se importam de reforçar. Por isso, eu penso que quem deixa de ser doutor-professor para ser doutor-político, de duas, uma: ou é um grande idealista que quer dignificar a Política, trabalho a que Hércules presumivelmente se recusaria, ou é na vida um grande arranjista.

 

80 - O verdadeiro sábio não é o que tem uma enciclopédia na cabeça. É aquele que tem um grande núcleo de formação técnica e espiritual e a sabedoria de completar as suas capacidades com as enciclopédias ao seu dispor.

 

81 - A felicidade não é coisa que cada qual possa arranjar fazendo da sua pessoa, corpo e espírito, um tugúrio, sem vasos comunicantes com os outros, principalmente com aqueles com quem mais directamente trabalha e vivem. Nas relações com os familiares, vizinhos e colegas, há várias coisas muito importantes para firmar uma verdadeira amizade: comer juntos, rezar juntos, passear juntos e dormir juntos, para os casais na mesma cama, para os outros no mesmo quarto. Se alguma destas coisas é desejada mas não viável, a amizade poderá surgir e radicar-se desde que as que são viáveis sejam cumpridas; se nada destas coisas são praticadas, apesar de algumas delas serem possíveis, então a amizade que haja não é verdadeira amizade, mas simples sorrisos e cortesias de amabilidade social. Porque não há a verdadeira união. A união faz a força, mas também promove o amor.

 

82 - “Junta-te aos bons e serás como eles; junta-te aos maus e serás pior do que eles”. Será? Pode ser que não. Ao contrário do provérbio, os bons devem juntar-se aos maus para os regenerar. São os doentes que precisam de médico.

O optimista vê um dia entre duas noites; o pessimista vê duas noites a ladear um dia. O pessimista junta-se aos bons para não se estragar; o optimista junta-se aos maus para os melhorar.

 

83 - Se as dores exalassem cheiro em cada sala de reuniões teria de haver um exaustor. O que nos vale é que além de inodoras, também são silenciosas – a não ser as de quem vai a caminho do hospital nos carros do INEM.

84 - Se sou obrigado a mostrar que não sou novo, devo esforçar-me por mostrar que não sou velho. É por isso que eu às vezes digo que “só para o ano é que vou começar a ser velho”. A quem me pergunta porquê, eu respondo “eu já dizia isso o ano passado”.

85 - O sofrimento pode ter como sangue azul o suor e as lágrimas. O sofrimento é, então, como a chuva. Molha-nos e incomoda-nos, mas deixa as suas marcas. Quando se evola, deixa os seus benefícios.

86 - “DÁ-ME, SENHOR, O QUE QUISERES, QUANDO QUISERES E QUANTO QUISERES – é uma oração que se pode ler na IMITAÇÃO DE CRISTO, uma maneira diferente de dizer SEJA FEITA A TUA VONTADE ASSIM NA TERRA COMO NO CÉU. Mas, meu Deus, perdoa-me que às vezes eu até prefira a oração de Kêmpis à oração que Tu nos ensinaste. Quando eu estou junto do teu altar e rezo SEJA FEITA A TUA VONTADE, eu continuo junto do altar, sereno, tranquilo, e retiro-me confiante; porém, se rezo DA-ME, SENHOR O QUE QUISERES uma comoção me invade, e, então, é como se, saindo de junto do altar, me arrojasse nos teus braços, no teu colo, num supremo abandono, numa entrega absoluta, completa, de incondicional e amorosa submissão, a chorar, a tremer, pensando no sofrimento por que, porventura me vais fazer passar, apesar de saber que pelo teu amor não me vais lançar em nenhum abismo. Meu Deus, ampara-me no meu sofrimento. Se, um dia, talvez por influxo teu, alguém me lançar bosta à cara, ajuda-me a suportar, a perdoar, a sorrir, mas, meu Deus, não aumentes ainda o meu sofrimento, obrigando-me a lamber a beiça.

87 - Dizem os teólogos que Deus não faz acepção de pessoas. Será que Deus ama por igual o justo e o pecador? Eu creio que se for na mesma medida não é da mesma maneira. E será bom que todos julguem que Deus ama muito mais o justo que o pecador, mesmo que isso seja doutrina teologicamente incorrecta: o justo, para se animar a continuar; o pecador, para nisso encontrar um motivo para se corrigir.

Por pensar assim, talvez por isso, ganhei certas petulâncias. Como já tenho dito, eu às vezes sinto-me mesmo um privilegiado de Deus. E, então, por vezes, digo aos meus amigos: o grande mal do Titanic não foram os icebergs; o seu grande mal foi eu não estar lá!

laurindo.barbosa@gmail.com

publicado por Fri-luso às 20:19

Laurentino Sabrosa
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