Assim como há vários tipos de discursos em prosa, vejamos os vários tipos de poesia. Espero que o leitor tenha de PROSA e de POESIA conceitos correctos. POESIA não é só versos rimados. Podemos ser verdadeiramente poetas, escrevendo um texto que, por não ter versos rimados, parece não passar de simples prosa. Poeta é todo aquele que exprime, com rimas ou sem rimas, em linguagem elevada, sentimentos elevados.
Um grande exemplo de poesia, são os SALMOS que se cantam ao Domingo nas missas da Igreja Católica. São cânticos espirituais, de louvor a Deus, de júbilo, de prece, de agradecimento ou de penitência. Como têm um fundo musical apropriado, têm de ser adaptados do texto bíblico, mas, repare o leitor, nunca há preocupação de rimas. Se o compositor o fez com arte e o cantor o faz com alma, o salmo ecoa com vibração e arrebatamento, e é muito possível que um nó de comoção nos aperte a garganta.
As poesias mais conhecidas e talvez mais praticadas neste Portugal, que se diz um país de poetas, são as QUADRAS, como por exemplo as populares quadras do São João: são 4 versos, geralmente rimados, e embora seja a composição poética mais fácil e vulgarizada, para ter verdadeira beleza poética não é tão fácil como isso. Algumas quadras só por si desenvolvem e concluem uma ideia, um pensamento ou sentimento. Por exemplo esta:
Se aquilo que a gente sente,
cá dentro tivesse vós,
Muita gente, toda a gente
teria pena de nós
Muitas composições poéticas são constituídas por várias quadras, tantas quantas se quiser, o que pode facilitar o desenvolvimento que se pretende.
Bastante mais difícil que a quadra é o SONETO, composição formada só por duas quadras e dois tercetos, rimados entre si de tão variadas maneiras, que não é apropriado aqui me ocupar delas. Aliás, tenho de passar em claro muita coisa, como por exemplo a métrica das rimas, a classificação dos versos quanto às sílabas, etc. Como os sonetos têm de desenvolver um tema poético, com sentimentos amorosos, jubilosos, lacrimosos, etc., com conteúdo mais vasto que a quadra, em apenas em 14 versos rimados, torna-se difícil fazê-lo com elevação. Por isso é muito menos praticado que a quadra e só os mesmos bons poetas o sabem fazer com o devido estro. O soneto é uma das mais nobres formas de expressão poética, e por isso normalmente é apresentado em termos de dignidade. A linguagem vulgar e brejeira numa quadra, até lhe pode dar uma certa graça, mas num soneto é uma sensaboria que avilta grandemente uma espécie de poesia, que por essência só beleza deve ter.
Como exemplo de soneto, apraz-me transcrever o soneto seguinte, que não digo que seja “o máximo” da expressão poética, mas revela a exaltação poético-religiosa de um anónimo. Nunca o vi citado em lado nenhum, mas quanto a mim, bem o merece:
A VÓS, CORRENDO VOU, BRAÇOS SAGRADOS,
NESSA CRUZ SACROSSANTA DESCOBERTOS,
QUE PARA RECEBER-ME ESTAIS ABERTOS
E PARA NÃO CASTIGAR-ME ESTAIS CRAVADOS.
A VÓS, OLHOS DIVINOS, ECLIPSADOS
DE TANTO SANGUE E LÁGRIMAS COBERTOS,
QUE PARA PERDOAR-ME ESTAIS DESPERTOS
E PARA NÃO DEVASSAR-ME ESTAIS FECHADOS,
A VÓS, PREGADOS PÉS, PARA NÃO FUGIR-ME
A VÓS, CABEÇA BAIXA, POR CHAMAR-ME,
A VÓS, SANGUE VERTIDO, PARA UNGIR-ME,
A VÓS, LADO PATENTE, QUERO UNIR-ME,
A VÓS, CRAVOS PRECIOSOS QUERO ATAR-ME
PARA FICAR UNIDO, ATADO E FIRME.
Recolhi este soneto há 40 anos, poesia posta em caixilho entre muitas outras ofertas de louvor e agradecimento, nas paredes da Capela de Cristo Crucificado, anexa ao templo do Bom Jesus do Monte, de Braga. Espero que ainda lá esteja. Se o leitor puder e quando puder, pode ter a curiosidade de verificar se de facto lá continua.
Há várias espécies de prosa que, segundo parece, já ninguém sabe fazer, mas posso asseverar ao leitor que também se passa o mesmo com as poesias. Várias espécies de poesias, passaram a existir só no património literário, como se pode verificar percorrendo a obra poética dos grandes poetas, como Camões, Bocage e alguns mais, e comparando-a com a obra poética de autores mais recentes. Comecemos por nos referirmos a poesias, que designamos por poemas, hinos e cânticos.
POEMA é um termo muito geral que designa qualquer composição poética, que pode ser sinónimo de POESIA, quando esta tem uma certa extensão. Os LUSÍADAS, são um poema, que, pelo tema de que trata, é um POEMA ÉPICO, ou POEMA HERÓICO, narração de feitos históricos e patrióticos. Outros poemas épicos podem ser a exaltação de grandes glórias ou de espiritualidades. Também isto parece estar fora de uso, principalmente na literatura portuguesa. Há ainda os POEMAS SINFÓNICOS, composição musical, geralmente inspirada numa grande obra literária. Deste tipo de poemas, temos um exemplo vivo e moderno graças ao talento do Cónego Ferreira dos Santos, actual Reitor da Igreja da Lapa do Porto, grande musicólogo que tem composto a música com muita elevação para alguns cânticos litúrgicos e salmos, e, há cerca de três anos, concebeu um poema sinfónico de grande brilho sobre os grandes centenários da História de Portugal
Falando de poemas épicos ou heróicos, convém não esquecer uma referência às EPOPEIAS. Este termo é praticamente sinónimo de POEMA ÉPICO. Os LUSÍADAS são a grande epopeia da literatura portuguesa em que, como em geral em todas as epopeias, o real e histórico se misturam com o imaginário e o maravilhoso. Uma vida acidentada, vivida de grandes sofrimentos, repleta de grandes alegrias e de episódios incríveis e cruciantes, suportados com energia e fé, uma pessoa que tenha tido uma vida assim, bem pode dizer na sua velhice : Vivi ! vivi uma vida intensa e cheia – a minha vida é a minha epopeia!
HINOS – Quando falamos de “hino”, em geral pensamos só na música e letra do chamado “Hino Nacional”, composição musical que representa uma Nação. Mas hino é bastante mais. Começou por ser um canto de louvor aos deuses ou aos heróis lendários. São célebres os hinos de Homero, da antiga Grécia. Pode ser um canto religioso, ou um poema semelhante ao de São Paulo, em I Cor.13 , que é um autêntico hino à Caridade. E só quem faz da sua vida um hino à Vida é que se pode glorificar, na sua velhice, de que a sua vida é a sua grande epopeia.
CÃNTICOS – A palavra é praticamente sinónima de HINOS e aplica-se em especial a algumas composições de exaltação religiosa, de louvor a Deus. Abundam na Bíblia: muitos Salmos são, eles próprios, cânticos; há os cânticos de Moisés, de Débora, o Magnificat, da Virgem Maria, entre muitos outros. E um dos livros da Bíblia é chamado mesmo CÃNTICO DOS CÃNTICOS.
ELEGIAS – São (ou eram…) composições poéticas, geralmente pequenas, de tema melancólico e triste como amor ou morte.
ÉCLOGAS – São poesias que têm por tema a vida campestre e pastoril. Também podem ser chamadas BUCÓLICAS, e daqui surgiu o termo bucolismo, que é o amor da contemplação da Natureza, o amor às coisas simples e rústicas do campo. São conhecidas as Bucólicas de Virgílio, grande poeta latino da Antiguidade. As éclogas são, portanto, todas bucólicas, género de poesia cultivado pelos nossos Bernardim Ribeiro e Sá de Miranda, numa época que se pode considerar como a nossa “antiguidade clássica”. Um sinónimo de ÉCLOGAS é IDÍLIOS, pois também estes são composições poéticas de carácter campestre, pastoril e amoroso. Pode haver uma ligeiríssima diferença, pois no idílio parece haver uma maior serenidade em contemplação. De IDÍLIO, surgiu o adjectivo idílico, a classificar qualquer coisa suave e campestre e aqueles amores ternos e puros, como por exemplo, o clássico amor de Romeu e Julieta.
ODES – São composições poéticas do género lírico, ou seja aquele tipo de poesia em que o poeta canta (ou cantava…) os seus sentimentos pessoais ao som da lira. Surgiram na Antiga Grécia, mas o poeta romano Horácio parece ter sido quem mais e melhor as cultivou. Como exprimem sentimentos pessoais, cada poeta imprime o seu estilo e, por isso, há as odes anacreônticas, praticadas por Anacreonte, poeta grego; há as odes pindáricas, à maneira de Píndaro, outro poeta grego; há as odes sáficas, inspiradas pela poetisa grega de nome Safo.
TROVAS são composições poéticas ligeiras, populares, destinadas a serem cantadas. Podem ser chamadas CANTIGAS.
CANÇÕES – O termo é muito genérico e pode referir-se a qualquer espécie de poesia, trovas ou cantigas. Em certa canção muito antiga, dizia-se “Eu dormia docemente enquanto minha mãe cantava as canções de antigamente”. É sabido que as mães para adormecer os bebés cantam “canções de embalar”. Mas CANÇÕES são também poesia lírica dividida em pequenos grupos a que se pode chamar estrofes, que, normalmente, se destinam a serem cantadas. Na obra poética de Camões há vários exemplos.
E é tudo que posso dizer. Dizer mais seria saturante. Convido o leitor a querer saber mais, mas em locais mais apropriados, sobretudo para descobrir para que tipo de poesia tem pendor o seu talento poético. Aconselho-o a pôr de parte as elegias…
laurindo.barbosa@gamil.com
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