SER RICO, MESMO RICO
Há uma expressão muito vulgar na Língua Portuguesa, em que se diz que se alguém que é muitíssimo rico é “podre de rico”. Esta expressão tem muito de filosófico, como, aliás, é vulgar em muitas outras expressões populares. Na verdade, qualquer excesso pode ser prejudicial ou nefasto: excesso de talento pode produzir loucura; excesso de prudência pode produzir hesitação e medo; excesso de beleza pode produzir orgulho e vaidade desmedida; excesso de comida ou de bebida é muito prejudicial à saúde. Diz-se muitas vezes que o muito poder político, económico, social, corrompe as pessoas – o efeito do excesso de riqueza, por aquela expressão de linguagem dura e incisiva, é a podridão espiritual . Parece que de facto é muito difícil, embora não impossível, alguém ser mesmo muito rico e não ter essa espécie de podridão.
A revista FORBES publica periodicamente a sua lista de pessoas ricas, mesmo muito ricas. Ao que parece, têm investigadores e serviços especializados, que lhe permitem saber de todo o património de cada individualidade, e avaliar em milhões de dólares ou de euros o respectivo valor. Proclamam que FULANO é o mais rico do mundo, que SICRANO é o segundo, que BELTRANO está em terceiro lugar e assim por diante. Na sua lista há um FULANINHO qualquer que está em 20º. lugar e um outro qualquer é indicado por estar em 50º. lugar, o que é uma grande honra, em virtude de neste planeta haver milhões de pobres.
Será de facto uma grande honra ser publicamente apontado como sendo o mais rico do mundo, ou que está em 30º ou em 50º. lugar ? Dificilmente será. Lembro-me agora de que, não havendo ainda a FORBES, em Espanha, houve um grande industrial que era muito benemérito dos pobres. Deixou uma fortuna imensa, com grandes louvores de todos, e até no cemitério foi posto um epitáfio em que se dizia mais ou menos isto: AQUI JAZ FULANO DE TAL, O MAIOR BENEMÉRITO DOS POBRES DE QUE HÁ MEMÓRIA.
Com razão ou sem ela, alguém anonimamente acrescentou: POIS É, MAS PRIMEIRO FEZ OS POBRES.
Ser o mais rico do mundo, ou ocupar lugar de relevo na lista dos muito ricos, para alguns pode ser um elogio, mas para muitos mais é uma acusação. O próprio deve fazer um exame de consciência. Porque tenho eu tanta riqueza que é ofensiva para milhões de pessoas? Será porque sou eu inteligente, esperto, diligente e trabalhador e esses tais que vivem na pobreza, são uns estúpidos, burrinhos e malandrões? Em que medida tenho espoliado quem para mim trabalha? Em que medida me tenho aproveitado das debilidades deles para engrossar os meus haveres? Tenho querido suplantar em fortuna, a todo o custo, quem está à minha frente? Tenho feito manigâncias secretas e bem sofisticadas para ganhar milhões em corrupção, na Bolsa, contra o Estado e outras entidades? Esta minha fortuna impediu alguém de viver melhor e de sair do seu estado de pobreza? O que tenho dado a favor de pobres, não são pobres criados pelas minhas actuações?
A maior riqueza não é a riqueza material, de palácios, de automóveis e de contas bancárias bem forradas de notas. Quem tem alguma sensibilidade, e tem preocupações espirituais sabe que aquele Lázaro, de que fala o Evangelho, mendicante junto dum muito rico que se banqueteava continuamente, sabe que esse tal rico era mais pobre do que Lázaro. Por outro lado, qualquer rico, muito rico e avaro, que tem tudo e mesmo muito dinheiro, e não tem mais nada, nem família, nem amigos, na realidade é pobre, muito pobre exactamente porque só tem dinheiro.